terça-feira, 2 de setembro de 2014

Muros

Encontrei-te aqui a meu lado, onde sempre estiveste.
Foi sem querer, numa tarde destas, quando já te imaginava longe de mim e incapaz de me ouvires.
Há muito que te vi partir. Não te encontrava no abraço, no beijo antes de adormecer, na mesa da cozinha nem tão pouco no canto esquerdo do sofá, onde gostavas de adormecer.
Por mais que te apertasse contra o meu peito, por mais que me beijasses todas as noites, não te sentia e habituei-me a viver assim. Contigo ausente.
Tantas vezes se constroem muros sem razão, onde a presença consegue ser mais vazia do que a ausência de quem se quer. O amor passou a rotina, o desejo a necessidade e as palavras passaram a ser apenas as necessárias. Bom dia. Olá. Não vens jantar? Até amanhã.
O muro cresceu com o tempo, cada vez mais alto. A distância alcançou a imensidão do muro. E as sombras que o muro criou, quando o sol nele batia, foram matando os restos de vida que sobravam. Rasteiros. Vazios. Escuros. Cada vez mais vazios.

Mas hoje, sem querer, encontrei-te novamente onde já não te esperava encontrar: A meu lado. Do outro lado do muro, que agora vamos ter de deitar abaixo...
E eu a imaginar-te longe de mim...

(c) CORBIS

Particípio Passado

Às vezes sabe bem não viver do passado.
Esquecer tudo. Como se nunca tivesse existido.
Esquecer tudo, mesmo tudo.
Fazer de conta que não existiu, que somos assim porque somos.
Esquecer que foi o passado que nos trouxe até aqui. Que nos formou os gostos, as certezas, os vícios e aquela ridícula mania de dormirmos sempre do mesmo lado da cama.
Esquecer que o passado nos tornou mais ou menos valentes, mais ou menos confiantes, menos ou mais decididos, altruístas, extrovertidos, teimosos, preguiçosos ou mimados.
Esquecer que foi o passado que nos amoldou as ideias, os ideais, as convicções, os medos e nos fez apaixonar tantas vezes.
E desapaixonar, também...
Esquecer. Esquecer o passado.
Porque mais do que um passado, somos o princípio de um futuro. Que deverá ser livre... Sem as certezas, sem as convicções, sem a teimosia, sem as reservas, sem os ideais e principalmente sem os receios que herdámos do passado.

Vou tentar.
Vou tentar esquecer o passado.
Hoje vou dormir do outro lado da cama.

Joeira

Cinco anos.
Foram precisos cinco anos para voltar.